quarta-feira, 19 de setembro de 2012

. Pelas Portas do Coração.


Faz um hora que eu me debato nessa cama. As mensagens pipocam no celular e o mundo lá fora está em pleno vapor. A noite está quente demais. E ainda são onze horas. Aqui dentro, o quarto está abafado, a garganta está seca, e alguma coisa me sufoca por dentro. Levanto, dou uma olhada pela janela, raros são os carros que passam por ali. Mas o mundo, ainda sim está em pleno vapor. Bebo água. Volto para a cama. Está incrivelmente quente aqui dentro. Dez, vinte, quarenta minutos se passam. E eu ainda esperando um desligamento da realidade, e um corpo em modo 'hibernar'. Nada ainda, o danado do sono não vem!
Pego papel e caneta. Um gesto que antes era um hábito, e hoje não passa de raridade.Tento pensar num tema, uma atualização, uma desculpa convincente e esfarrapada por estar longe tanto tempo. Não há nada a dizer.
Procuro então um assunto, para dialogar com quem lê... Política? NÃO, muito polêmico! Religião? NÃO, muito sério. Amor? NÃO, muito clichê! Você? NÃO, muito passado. Tempo? NÃO, muito subjetivo!
Me vejo sem opções de temas para fundamentar o emaranhado de palavras que se misturam em minha cabeça .
Em meio a um pensamento e outro, me perco ! Pareço viajar no tempo. Focalizo as lembranças procurando entender em que era eu fui parar. Encontro velhas fotografias, algumas lágrimas e muitos sorrisos espalhados pelo chão.
Subitamente percebo que há um vazio em meio aos meus assuntos prediletos. Reviro tudo, não encontro você. Instintivamente me oriento a continuar a procurar. Mas não está mais lá. Me dou conta de que acabo de me perder de meu personagem preferido.  Me despeço com a mesma frase de outrora, tão sua - Tenha uma boa vida ! - ao mesmo tempo em que giro a chave e jogo no abismo. 
Abro outra repartição. Me assusto com o aspecto triste daquele lugar... mas adentro! é frio, escuro e parece vazio, até o momento em que um sutil movimento me chama a atenção. - Quem é você? - Pergunto.  - Oras, veja que disparate! Sou a DOR, quem mais?!
Me dá certa angustia ao olhar para aquele protótipo de luz egocentrista, que a pouco falava comigo. A DOR não tem forma. Deve ser para que possa se ajeitar perfeitamente a qualquer situação. Sorrio e me sensibilizo com 'ela'. Olho ao redor pensando em uma utilidade para mante-la ali...Talvez uma faxina, umas flores e um feixe de sol. Mas a DOR se recusa a qualquer destas sugestões.  - Não serve mais, tenho que me desfazer! - Junto toda num pacotinho, assopro e ela se desfaz abismo abaixo. Desta vez deixo a porta e as janelas abertas para ventilar. ( Com você não foi assim. Sumi a chave para que não volte! ) .
Abro uma nova fechadura. Essa me surpreende. É tudo muito espelhado e amplo. E bem no meio encontro uma caixinha vermelha de veludo, descubro alguma coisa que diz se chamar AMOR dentro dela. Parece bonito, mas do nada me fica os dedos. Num impulso volto a colocar. Ele sorri! Criaturinha graciosa esse tal AMOR. Não me contento. Pego-o de novo. Desta vez ele me faz rir, com cocegas estranhas. Me lembro de uma expressão que li em um livro: Borboletas no estômago! - Que bichinho mais contraditório - Penso. Ele ainda continua a me olhar com uma carinha engraçada, mas de repente me pede que o coloque de volta em segurança. Então o amor tem medo do mundo?!, mas não comento nada. Obedeço! Converso com ele. E ele me dá uma missão: Encontrar alguém que seja merecedor por aí e só então voltar para busca-lo. Acho aquilo estranho, mas ele não me parece mal. Saio do compartimento receosa de deixa-lo ali.
Abro a próxima repartição, ali parece tudo ser uma festa. Olho os rostos felizes. Corro o olho pelo local, me prendo um pouco na cara de gato e o rabo de lebre de uns ou outros. PARECE mas não é... Finjo que não vejo, não me alcança se eu não deixar. Sorrio, brinco,canto, danço.  - Está na hora de ir. - Relutante fecho a porta atrás de mim, prometendo voltar ainda, pra farra continuar.
Próxima tranca, encontro uma sala clara e com muita luz, há apenas um espelho ali... e isso é um tanto estranho. Me coloco em frente a ele, me vejo, mas a imagem começa a falar e eu ainda estou muda. Ele se apresenta como AMOR PRÓPRIO. Eu que já conheci o AMOR lá trás, acho aquilo um pouco plágio, da ideia alheia. Mas ele vai logo dizendo que não Outro serzinho egocentrista - é o que eu penso, mal sei eu que é bem pior que isso. Sinceramente, até agora o AMOR PRÓPRIO é o mais difícil de lidar... ele parece bonito (ai me lembro que sou só eu no espelho hahaha), parece genioso, frágil e sagaz. Mas não! Ele acaba de me dizer que a culpa de todos esses 'achos' é minha. Eu me revolto - MINHA? Por que seria? O amor próprio é você. - Ele me dá um sorriso simpático, mas nessa altura do campeonato eu só consigo enxergar cinismo naquele sorriso. Ele fica mudo por um tempo. Não para de me olhar. Que pentelho! Ri de mim, e quando vê que eu já estou mais calma me explica: - Sim, é sua culpa. Eu sempre estive aqui trancado nessa sala clara e bonita. Mas você insiste em não precisar de mim, e eu vou ficando aqui, descansado! Ao contrário do que muitos pensam, você não precisar de mim não me maltrata, as vezes me entristece... é verdade! Mas na maioria das vezes só me prova quão tola você é! - Ah, mas aquele serzinho era muito irritante! Começo a pensar no que ele disse e não vejo nexo. - Você se acha sempre o centro do mundo assim? Ou é só comigo? - Ele revira os olhos. - Naturalmente, sou feito pra ser assim. Por isso sou o AMOR PRÓPRIO! Quando nasci, ou melhor quando você nasceu, aaah... quando nós nascemos, fui colocado em você para que você me usasse sempre, mais você é teimosa, e não me usa nem quando precisa! Olha que patife... Acreditastes no AMOR mais rápido do que em mim, e eu tenho no nome o termo PRÓPRIO, que sugere já de cara que é seu. Pensei que você fosse mais esperta, mas me enganei! - Tive que me sentar, aquela ... coisinha... estava me deixando confusa. E eu não podia ver, só via eu mesma ali. 
Muito tempo depois, me dou conta de que ele está certo. Sorrio para ele. Ele não me sorri de volta. Dou-lhe um presente, elogio seu cabelo (ou será meu cabelo?) e lhe deixo uma caixa de tintas e batons para ele brincar. Ele revira os olhos, diz que eu não entendi. Então não vejo saída, vou ter que levar o pestinha para passear comigo. Ele pega os presentes, as tintas e os batons, me dá a mão e vem comigo. Pergunto se precisa trancar a porta, ele diz que CLARO! Olho sem entender porque, e ele calmamente explica: - Para que ninguém possa entrar aqui e destruir meu lar... Francamente! - Francamente digo eu! 
Uma a uma vamos abrindo as portas. E ele parece se divertir. Em certo momento, pergunto onde estamos. Ele me olha DE NOVO com cara de quem não acredita. E eu me sinto absurdamente tola. - Essas são as portas do coração,  minha cara! E agora vamos, deite-se, você parece exausta! Amanhã, logo quando o dia clarear eu vou estar com você. Apenas, e veja bem, só apenas, porque você me deixou vir! 

Não sei quanto tempo faz. Mas o ruído do despertador me faz abrir os olhos, me lembro de tudo, olho ao redor, e abro um sorriso. Ouço um sussurro: -  BOM DIA vida! 


" O coração tem segredos, que a própria razão desconhece."




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